Alguns países estão já a introduzir a linguagem mais “falada” no mundo no ensino básico: a programação. Não deveríamos nós incluir igualmente a ciência dos dados?
Ninguém tem dúvidas dos benefícios tremendos que a evolução tecnológica nos tem trazido desde a revolução industrial até às mais recentes inovações nas telecomunicações, internet, redes sociais, etc.. Mas ainda há muitas incertezas quanto à extensão dos efeitos perversos que teremos de enfrentar, por via das profundas alterações no modo de vida a que temos sido sujeitos.
Sabemos sim que os mais pobres, países e pessoas, na maioria dos casos têm sido negligenciados por esta economia cada vez mais global e digital. Mas surpreendemo-nos que as pessoas em desespero, com alguma raiva ou sem rumo, exerçam o seu poder de voto contra o poder instituído e a favor de discursos populistas, utopias ou qualquer contingência que traga uma nova esperança.
A Inteligência Artificial coloca tudo num patamar de incerteza ainda maior. Não estamos a falar de mais uma evolução tecnológica. É uma materialização lógica, assente em tecnologia, de algo que não conhecemos e que em muitos casos não temos a capacidade de decifrar. Haverá maior incerteza que esta?
“A inteligência artificial é o futuro, não só para a Rússia, mas para toda a humanidade. Ela vem com oportunidades colossais, mas também ameaças difíceis de prever. Quem se tornar o líder nesta esfera tornar-se-á o governante do mundo”, disse Putin a 1 de setembro deste ano. Poucos dias depois, Elon Musk comenta que “A 3ª guerra mundial será desencadeada não pelas nações líderes na área, mas por uma das inteligências artificiais, se ela [IA] decidir que um ataque preventivo é o caminho mais provável para uma vitória”, a fazer lembrar alguns dos enredos de livros, filmes e séries de ficção científica que já exploram essa possibilidade há vários anos.
Elon Musk, Stephen Hawking e Bill Gates, entre outros, temem acima de tudo a chamada singularidade tecnológica, o momento em que as máquinas inteligentes criadas pelo homem passam a ser capazes de produzir versões aperfeiçoadas de si próprias, e a partir do qual a intervenção humana deixa de ser necessária para evoluírem. Seremos nós capazes de controlar esta evolução inexorável dos sistemas de IA? Quem os “cria” tem consciência ética para os “matar” se começarem a evoluir de forma descontrolada?
Recentemente o Facebook “matou” um dos seus projetos de Inteligência Artificial, depois de descobrir que os chatbotsAlice e Bob criaram um idioma próprio. E, há mais de um ano atrás, a Microsoft criou um robô que interagia nas redes sociais – que em 24h se tornou nazi porque foi manipulado para tal. Será esta uma nova forma de terrorismo? Num prisma diferente, Zuckerberg defende que a Inteligência Artificial só poderá trazer resultados positivos para a humanidade.
A mim parece-me claro que isso não é totalmente verdade. Concordo que a Inteligência Artificial tem um potencial imenso para melhorar as nossas vidas, mas as incertezas sobre o efeito perverso desta 4ª revolução industrial (i4.0) nas vertentes social, política, moral, ética, legal ou até fiscal, devem ser encaradas com muito cuidado e preocupação. Estou absolutamente seguro que o impacto na nossa vida, nos nossos empregos e na economia será profundo, pelo que teremos de encontrar forma de ultrapassar esses desafios, uma vez que ninguém duvida que a Inteligência Artificial veio para ficar.
Há meio século atrás, as potencialidades da tecnologia eram totalmente desconhecidas, até para os mais visionários. Em 1968, ano em que é fundada a Intel, Pablo Picasso afirmou “Computers are useless. They can only give you answers”. A veracidade da segunda parte desta afirmação é ainda hoje controversa. Assim como as previsões de H. G. Wells sobre a bomba atómica nos seus livros de ficção científica se tornaram realidade décadas depois, as diretivas de Asimov ganham a cada dia uma importância maior frente à realidade.
Ao ritmo a que as coisas andam atualmente, as três leis da robótica são manifestamente insuficientes. É necessário criar regulamentação urgentemente, criar regras com o status de lei e desenvolver mecanismos de controlo e monitorização. Chamemos-lhes Robocops, não como um super polícia humanoide, mas como processos mecânicos, também eles potenciados por Inteligência Artificial para fazer cumprir a lei neste universo paralelo.
Numa perspetiva positiva (a que prefiro sempre, por se revelar mais rigorosa), devemos aceitar o que não controlamos e focar-nos no que está ao nosso alcance, sabendo que não é menos verdade que as crises e ameaças trazem muitas oportunidades. Nós temos uma escolha na forma como potenciar esta oportunidade. Podemos usá-la para competir connosco, ou podemos usá-la para nos fazer crescer, e colaborar connosco; para ultrapassar as nossas limitações cognitivas e fazer aquilo que queremos fazer… mas melhor! Os nossos cérebros não serão substituídos, mas podem ser ampliados.
Portugal tem conseguido, nos últimos tempos, atrair turistas, empreendedores, empresas e investimento. Porque não capitalizar esse potencial nesta nova e emergente realidade? A rapidez na evolução que estamos a viver não nos permite andar a reboque e copiar depois.
Cada um de nós, cada uma das nossas empresas é livre de seguir o seu caminho. Mas não teremos todos mais a ganhar se houver um movimento concertado? A regulamentação seria apenas o primeiro passo, investir na formação e requalificação dos nossos recursos, criar centros de competência, atrair talento e empresas do exterior para se fixarem em Portugal. Alguns países estão já a introduzir a linguagem mais “falada” no mundo no ensino básico – a programação. Não deveríamos nós numa toada ainda mais avançada incluir igualmente a ciência dos dados?
Tenho participado em projetos vários, sobretudo internacionais, onde usamos Inteligência Artificial nos mais variados domínios (marketing e vendas, operações, planeamento, recursos humanos, risco) e ramos de atividade (banca, telecomunicações, contact centers, até para a otimização de unidades fabris no setor industrial) e posso corroborar que esta é uma área onde os portugueses têm conseguido marcar a diferença.
Podemos usar recursos poderosos, como a cloud e a tecnologia dos países mais avançados, como matéria-prima para os produtos acabados (dotados de IA) que as empresas portuguesas têm capacidade para desenvolver.
E para nós portugueses, que temos o feliz hábito de estarmos sempre entre os melhores quando nos empenhamos, urge começar a dar a relevância e importância que este tema merece! Outrora foram os nossos navegadores, com naus, a conquistar terras desconhecidas através do mar, hoje num mar de dados que cresce na nuvem a um ritmo exponencial, os nossos marujos de dados têm igualmente todas as condições para prosperar.