Os dados em si não possuem valor, o valor decorre do seu uso ou, mais concretamente, quando através do seu processamento somos capazes de criar informação que suporta a tomada de decisão.
Tenho vindo a defender que a verdadeira inteligência urbana apenas acontece quando quem governa o território for capaz de estabelecer estratégias que conduzem à construção da cidade como plataforma, criando as condições necessárias e suficientes para, tirando partido da gestão da informação e da ciência dos dados alavancada no big data, alterar radicalmente o paradigma de planeamento e gestão das nossas cidades e vilas.
Uma inteligência onde os dados gerados pelos sistemas operacionais, pela internet das coisas e pelas pessoas são o novo combustível, como referido pela Economist (maio 2017), “The world’s most valuable resource is no longer oil, but data”.
No entanto, convém lembrar que os dados em si não possuem valor, o valor decorre do seu uso ou, mais concretamente, quando através do seu processamento somos capazes de criar informação que suporta a tomada de decisão e conduz à ação (informação são dados em contexto). Daí a analogia com a pirite, o ouro dos tolos, pois somos muitos vezes levados a acreditar que temos uma enorme riqueza porque possuímos imensos dados, no entanto na realidade quando os tentamos utilizar somos confrontados com a sua inutilidade.
Isso é o que acontece muitas vezes com a políticas de dados abertos que defendemos como vitais para a construção da verdadeira inteligência urbana, onde queremos dados de livre acesso, disponibilizados como serviço e machine readable, capazes de serem integrados diretamente em novos produtos e serviços. No entanto, somos confrontados muitas vezes com o que tem vindo a ser denominado de open washing em que a existência de um portal de dados abertos é apenas mais um ponto de uma check list de ações que devem ocorrer nas cidades ditas inteligentes.
Se pensarmos em atividades económicas relevantes, aquela que hoje desperta mais interesse e tem maior potencial para o território nacional é sem dúvida o turismo. Neste sector podemos identificar facilmente dados de elevado potencial nas nossas cidades e vilas. Quer estáticos, como dados relativos a património material e imaterial, como dinâmicos cobrindo aspetos como agenda cultural, desportiva, etc.
A sua disponibilização seguindo os princípios referidos acima, potencia a criação de novos produtos e serviços pelos ecossistemas de inovação e empreendedorismo, gerando novas oportunidades para os operadores turísticos, como por exemplo possibilitar a uma unidade hoteleira oferecer ao seu cliente uma informação de alto valor acrescentado que consiste numa combinação dos referidos dados estáticos e dinâmicos para o período em que visita a cidade ou vila e que se encontram nas proximidades da respetiva unidade.
Mas também se pensarmos no cidadão e na necessidade premente de otimizarmos o planeamento e gestão de infraestruturas e serviços visando melhorar a sua qualidade de vida, constatamos que os dados das cidades que encerram um enorme potencial de alterar o paradigma desta governação estão também na posse do setor empresarial. Dados como os geridos e gerados pelas operadoras de telecomunicações, empresas de distribuição de água e energia, sistema financeiro, etc. permitem conhecer os padrões de comportamento de quem vive, trabalha e visita as cidades possibilitando a construção de insights de elevado valor acrescentado para o conhecimento do metabolismo das áreas urbanas.
Face a esta realidade, em que os dados realmente relevantes estão na posse não apenas da administração central e local, mas também na esfera privada, é inquestionável a necessidade de encontrarmos novos modelos de colaboração, como tem vindo a ser defendido pelo GovLab no que denominam de Data Collaboratives.
Mais, se estes dados têm valor, é incontornável e urgente o debate sobre a partilha do retorno gerado pela sua utilização. Esta discussão ganha uma relevância acrescida quando constatamos a relevância dos dados pessoais nesta nova realidade onde, garantindo a privacidade e um uso eticamente responsável, é possível ainda assim criar novos e surpreendentes produtos e serviços e gerar receitas significativas. Nesta procura por novos modelos de negócio, uma nota para o surgimento nos Estados Unidos de estados que já lançaram os denominados “Data Dividends” onde taxam as empresas que atuam nestas áreas e distribuem dividendos anualmente aos cidadãos que com os seus dados suportam os respetivos modelos de negócio.
Para terminar e assente na convicção de que o valor dos dados decorre do seu uso, é inquestionável o desafio que enfrentamos em assegurar que temos efetivamente ao nosso dispor aqueles dados que suportam a criação de valor, mas também criar as condições para que os recursos humanos das organizações adquiram competências analíticas para tirar partido do potencial dos mesmos.
Miguel de Castro Neto é professor da Universidade Nova de Lisboa – Information Management School e lidera o NOVA Cidade – Urban Analytics Lab. Foi Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza entre 2013 e 2015, no XIX Governo Constitucional. Foi distinguido como personalidade Smart Cities do ano na Green Business Week, em 2017.