Vou começar com um desafio simples. Como vão variar os preços das casas no mês que vem? Como eu não estou a dar mais informação nenhuma, todas as variações de preço são igualmente prováveis: têm uma distribuição uniforme, diz-se. Portanto, se quiser saber quanto vou ganhar ou perder, não sei. Ou melhor, sei que posso perder tudo ou ganhar tudo, com igual probabilidade.
Entretanto, deixamos passar um mês. Agora já temos mais informação porque conseguimos medir uma variação. Então, incorporamos esta informação na medida de probabilidade que tínhamos ‘a priori’, para construir uma medida de probabilidade ‘a posteriori’. E vamos assumir que os preços subiram. Nesse caso, ‘a posteriori’ é mais provável subirem os preços que descerem. Afinal, a única informação que temos é que não sabíamos nada e num mês subiu. E esta medida ‘a posteriori’ vai ser a medida ‘a priori’ no mês seguinte.
Agora vamos assumir que temos 10 anos de variações mensais, 120 meses. E nesses 10 anos, os preços das casas subiram sempre. Na sequência que descrevemos, vai ser muito mais provável que suba o preço no mês seguinte que desça, porque em cada ‘a posteriori’ é mais provável subir que ‘a priori’. E agora, em vez de 10 anos vamos pensar em 20 ou mais nas mesmas condições. No limite em que vamos ter um número infinito de meses nestas circunstâncias, podemos afirmar que é impossível o preço descer.
O mecanismo acima descreve em palavras simples a chamada ‘inferência bayesiana’. Descreve também o desastre associado a todas as crises devidas a crédito imobiliário pelo que o mundo passou na última década. Anos e anos de preços sempre a subir que resultam numa medida de probabilidade em que é impossível o preço descer. Mas é impossível o preço descer? Claro que não. Então, as contas foram mal feitas? Também não. O problema aqui descrito justifica-se pelo facto dos pressupostos em que a técnica descrita pode ser aplicada, não estavam satisfeitos logo de início. A matemática do problema não era esta.
Mas é melhor ter uma solução qualquer que nenhuma, ou não? Repare-se que neste exemplo, que é um exemplo real, a melhor solução do problema era a primeira medida ‘a priori’ que significa em linguagem comum ‘não faço a mínima ideia’. Essa era, entre todas as soluções subsequentes, a melhor das soluções aqui descritas. No entanto, por as outras estarem embrulhadas num esquema matemático perfeitamente válido noutras circunstâncias, ninguém estaria preparado para questionar que a solução final era muito pior que responder ‘não sei’. Como eu gosto de dizer, a matemática do problema não respeita a física do mesmo.
Estes são os erros de maior impacto o mundo em que vivemos hoje. Relembremo-nos como, no passado, milhões de contratos de crédito a habitação foram dados por esse mundo fora, particularmente nos EUA, baseados no princípio de que era impossível os preços das casas descerem. E a classificação, AAA, que era dada aos títulos resultantes do empacotamento desses créditos sobre valores impossíveis de cair. De como esses títulos estiveram nos balanços de quase todos os bancos do mundo, sob o olhar de todos os reguladores deste mundo, que os viam como impossíveis de perder valor. Todo o mundo olhava para o problema matemático sem olhar para a matemática do problema (eu incluído, não era diferente dos outros).
E como o episódio do crédito imobiliário que provocou o arraso das economias do mundo inteiro em 2007, poderia dar exemplos de dezenas de episódios semelhantes onde o problema da matemática é mais valorizado que a matemática do problema. Porque no momento em que eu, no início do texto, assumi que o problema do preço das casas se resolvia com aquela matemática, eu já tinha dado a solução. Matemática a partir daí é apenas uma ferramenta que me vai levar de forma lógica e rigorosa ao resultado final. Mas o fundamental da solução, onde o problema foi fechado e a solução determinada, foi logo quando associei o problema à ‘inferência bayesiana’.
Como última nota, e já que falamos nisto, a regulação bancária, ainda hoje, se baseia na mesma matemática. Nada de preocupante, por isso…
PhD em Física, Co-Fundador e Partner da Closer